quarta-feira, maio 18, 2005

Perdida

Vi-a de costas. A indumentária hoje era mais discreta. Justa e pequena mas massificada. Reconhecia pelos cabelos (mal) apanhados e andar errante. Abrandei o passo e deixei-me prosseguir o meu caminho atrás daquele ser perdido que procura nos rostos dos homens por quem passa, alguma reacção. Sem dar por isso, acelerei o passo e ultrapassei-a. Mas não a deixei para trás. Continuei a indagar sobre a vivência de alguém com olhar tão baço e só. Suponho que seja dada à exploração por aquele homem magro de bigode que fede a tabaco e a roupa ensebada. (é impressionante como umas montras a anunciar umas promoções primaveris nos mudam o rumo do pensamento!!). Entrei numa loja. Inopinadamente, notei alguma agitação entre as empregadas da loja. Comunicavam entre elas com acenos e olhares. Olhei na direcção dos olhos delas e vi-a. Vi agora o rosto que à pouco me escapou. O vermelho dos lábios contrastava com o cinzento do olhar, mas ambos estavam caídos. A tez macilenta. Mais macilenta que da última vez, embora encerrando, ainda, alguns traços de uma beleza que há muito se desvanece. Olhei novamente o desdém das empregadas. Suponho que, também, já a tenham visto. Afinal, é sempre naquela rua que a vejo.
Esqueceram-se de a tratar como potencial cliente.

6 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

O esquecimento é tão bom quanto, por vezes, mau. Mas querer pode-se tornar em poder, cara susana.

cumps.

3:34 da manhã  
Blogger susana c. disse...

sim, pma, o "querer" é a cenourinha à frente do nariz :) mas o esquecimento só raras vezes me parece positivo. Naquelas linhas referia-me à necessidade de uma certa indiferença positiva, se é que assim lhe posso chamar, algo oposta ao ignorar completo de alguém, completa oposta ao desdenhar de alguém mas, sim, consonante com o respeito que se deve a um ser humano.

12:09 da tarde  
Blogger trutasalmonada disse...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

4:47 da tarde  
Blogger trutasalmonada disse...

pois é, os nossos preconceitos activados pela nossa necessidade de construirmos um mundo securizante, de pessoas que sejam a nossa imagem e semelhança - por forma a não ameaçarem as nossas escolhas, a não porem em causa as nossas opções e a validarem as nossas actuações. será isto uma democracia? será isto o equivalente ao uniforme? será que isto não é uma forma equivalente e dissimulada de uma comunismo levado à prática num despotismo manipulativo?

4:49 da tarde  
Blogger susana c. disse...

ff, tens razão. São as contrariedades de uma sociedade que por um lado oferece um imenso potencial de diversidade, por outro lado não sabe lidar com ela.
A mim, muito dificilmente me verão a lançar olhares de desprezo e gozo só porque alguém não veste, fala, tem a mesma cor ou a mesma orientação sexual que eu, principalmente quando esse alguém espelha dor e não importuna ninguém. Por outro lado, confesso que muitas vezes não me coíbo de fitar reprovadoramente aqueles que o fazem.
Convém não esquecer que, no caso em questão, há ainda a agravante das estigmatizadoras se encontrarem em pleno desempenho da sua actividade profissional…

2:11 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

o esquecimento é mau. Ainda ontem estava a jantar com a minha rapariga e reparei que o peixe não tinha sal, disse-lhe:
isto não tem sal.
respondeu-me: Ahhh esqueci-me
Fiquei zangado.
O esquecimento é mau.

9:32 da tarde  

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