segunda-feira, janeiro 26, 2009

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Do documentário Southern Comfort, filmado durante a última primavera de Robert Eads. Nasceu no interior da América, com um corpo feminino. Só na meia-idade começou a transição, depois de se mudar para a Flórida. Os médicos acharam que, por causa da idade, Eads não precisava de remover o útero ou ovários, e ficou-se pela terapia hormonal e mastectomia. Casou-se com uma psicóloga, mas acabou por voltar para a Geórgia quando o relacionamento chegou ao fim.


Numa tarde de 1996, Eads teve um episódio agudo de dores abdominais. Nas urgências, descobriram-lhe um cancro nos ovários. Quando se dirigiu ao primeiro médico, foi com choque e surpresa que se viu recusado: o oncologista negou-se a seguí-lo, achando que lhe traria "má reputação" e perda de clientes. Depois dele, mais vinte e quatro médicos lhe negaram assistência, pelo mesmo motivo, ou crenças religiosas, ou outros.


Só em 1997 é que Eads teve acesso a cuidados médicos. Apesar de várias cirurgias e radioterapia intensa, o cancro, que já se tinha metastizado para o resto do abdómen, acabou por o matar. Morreu em Janeiro de 1999, com 53 anos de idade.

No ano anterior, durante a Southern Comfort Conference, um evento anual destinado à comunidade transsexual do sudeste americano, uma pequena equipa de filmagens seguiu a última primavera de Eads. No excerto, já sabendo que não tinha muito tempo, ele fala do que sente pelos médicos que ajudaram a precipitar a sua morte. E não é ódio que Robert tem dentro dele..." siona


Como é possível? Como ficar indiferente a uma actuação destas? Não é isto negligência, preconceito certificado, poder agonizante de quem pode fazer a diferença entre a vida e a morte?

Pois:

Decidir...
Nem em Medicina nem em Bioética é possível decidir com absoluta certeza. Chegamos apenas ao provável. Cabe actuar com prudência. Devemos aprender a tomar decisões incertas, mas racionais. Os médicos de família, devem evoluir de uma atitude paternalista, que é a tradicional, para uma postura que respeite a pessoa livre do doente, com base nos princípios éticos implicados narelação médico-doente. (3)
O conjunto de princípios idealizados por Beauchamp e Childress (4), respeito pela autonomia, beneficência, não maleficência e justiça; a que se adicionou a vulnerabilidade consagrada por Kemp e Rendtorff (5), trouxe um referencial de importância considerável para a Bioética. Não sendo tidos como absolutos, estes princípios são aceites como orientadores da decisão em questões éticas na prática clínica. (6)
Autonomia - respeito pela legítima autonomia das pessoas, pelas suas escolhas e decisões que sejam verdadeiramente autónomas e livres (sem qualquer tipo de coacção externa).
Beneficência - promover positivamente o bem do doente.
Não maleficência «Primum non nocere» - ter sempre em mente a obrigação de não fazer mal a outrem (não prejudicar o doente).
Justiça - considerar que todos os Homens são iguais em direitos e na justa distribuição de recursos da sociedade (cuidados de saúde).
Vulnerabilidade - constatar que algumas pessoas (deficientes mentais, doentes em coma, crianças, etc.) estão particularmente fragilizadas ao ponto da sua integridade física ou psicológica estar ameaçada.
Beauchamp e Childress referiram que só examinando os princípios éticos, e determinando em que medida esses princípios se aplicam individualmente, podemos ter uma verdadeira resolução dos problemas. (4)
(…)
A ética não pretende ser um manual de comportamento, mas é um saber necessário e conveniente. A prudência, a maturidade de espírito, a honestidade, uma sólida formação humanística e uma atitude crítica e pensada perante os nossos actos são imprescindíveis para uma medicina eticamente válida. Com certeza não é preciso lembrar que para além de qualquer outro interesse está a saúde e o bem-estar dos nossos doentes, que nos escolheram, e ao serviço dos quais nós escolhemos livremente estar.”

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