domingo, novembro 21, 2004

Heróis

Parece atávico a dicotomia de construir heróis, com quem há uma identificação e os quais passam a ser amados e imitados, e destruir aqueles que são percebidos como diferentes e perturbadores, com medo da ameaça à estabilidade socialmente periclitante, os quais passam a ser inimigos e levam ao ataque, ostracização e marginalização, na tentativa de eliminação das suas manifestações, que também podem ser a de cada um.

Os heróis que nos media se vão construindo reproduzem-se e respiram-se, o que não seria maléfico se à sua produção presidisse uma autenticidade e altruísmo, num bem querer humanitário e comunitário, sem pretensão missionária (expressão contestável no seu sentido de imposição religiosamente justificável, ou de santidade auto-didacta, como diz William Burroughs numa interpretação de Kurt Weill). No entanto qualquer indivíduo que se apetreche de artefactos exteriorizantes de condição social (diga-se que num conceito clássico significaria que possuiria os bens cognitivos, emocionais e intelectuais que o colocariam numa posição face aos seus semelhantes de uma forma a poder elucidá-los, esclarece-los e orientá-los), mesmo, e cada vez mais, que aparatosos e sem conteúdo real, parece conseguir, numa teia construída por interesses vários, um ascendente manipulado num consumismo visual e economicamente incrementador da riqueza dos já possuidores de fortunas inescrepulosamente conseguidas.

Os ‘profetas’ são ensurdecidos por outras vozes televisivas, as quais para se fazerem ouvir, a fim de obterem benefícios pessoais, elevam o nível de impacto, perdendo-se no conteúdo, na súmula e na essência. Verdadeiras vozes, com interesses altruístas e comunitários, estarão silenciadas nas ‘masmorras’ dos hospitais psiquiátricos, amordaçadas pelos abençoados neurolépticos, fluoxetinas e ansiolíticos sedativos?

Os românticos que descrevem a lua e o sol, com o animismo de La Fontaine, que fazem do mar um aveludado lençol que nos embala os sonhos, para quem as aves são veículo de polinização de afectos, estarão silenciados pela exuberância consumista do luxo e prazer imediato obtido na posse ilusória e hiperrealista de objectos que se esvaem numa funcionalidade inútil às necessidades humanas mais intrínsecas?

Os idealistas que tecem um mundo de igualdade, sem guerras nem ambições desmedidas, onde sonhar é possível, onde o amor por si e pelo outro impera, onde todos podemos concretizar-nos, são vetados ao surrealismo, à fantasia e à ficção?

Heróis precisam-se ... heróis sem lóbis nem estereótipos, autênticos crentes na humanidade e na profundidade dos enaltecedores sentimentos que nos animam.
Essas vozes não estão emudecidas, só precisamos de escutar com muita atenção, quem sabe se escutarmos dentro de nós e dos que nos aconchegam, possamos ver um esboço de herói?

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