onde está?
Alice, onde está? Ou será antes: o pai de Alice, onde está? E a mãe?
Filme português onde se percepciona a dor da perda tão intensa que aquele que a vive se recusa a essa perda, por recusa à dor. Parando o tempo na construção de uma rotina que repete continuamente o mesmo dia, numa ilusão de perpetuar esse tempo até que tudo retome a normalidade ritualizada ,onde a filha perdida esteja presente nas suas manifestações de criança feliz. Num processo fictício de nunca ter havido uma ausência. Assim uma nova rotina substitui uma rotina anterior que lhe foi resgatada, na esperança de que essa nova rotina recupere a anterior, como fenómeno racional movido exclusivamente pelos processos emocionais da perda não aceite – numa luta contra o tempo na eterna busca da imortalidade tão ansiada por nós mortais.
Mas o humano não pode fugir de si próprio, nem da sua caixa negra que não perde qualquer registo, o qual é mais intenso quanto mais especial e significativo.
Assim o paradoxo instala-se: por um lado temos um homem neste still de vida que aparentemente lhe permite continuar, prosseguindo activamente potente na sua impotência; mecanismo esse que montado da forma cinematografada concorre para a intensificação da dor acumulada (da qual pretende evadir-se) e da dupla perda associada: a perda da filha desaparecida e a da esperança suportada pela montagem do controlo dos espaços anteriormente percorridos pela filha, no inevitável ‘tiquetar’ do tempo que não se retém a não ser nas nossas memórias.
Desta forma a dor é um crescendo no filme, tanto pelo alheamento percebido face a tudo o resto (quer da pai, quer da mãe, como do marido com a esposa como da esposa para com o marido), como pelos monólogos implicados numa surdez recíproca de quem ouve o eco dos seus gritos, onde não há sons renovados. Dor retratada na imobilidade cada vez mais intensa na mãe e no aparente embotamento afectivo do pai. Dor que culmina na desistência de continuar a respirar e na desistência de continuar a controlar, marcos temporais afectivos que nos remetem para um luto que continuará ou antes começará a ser percorrido num ritmo mais em conformidade com um tempo cronológico e afectivo que se torne viável.
Com excesso ou não de tempo para a abordagem do sofrimento, acrescentando ou não algo importante para o espectador, este filme é real. A dor não tem hora marcada para cessar, invade, prolonga-se e excede-se.
Os actores revelaram ser possível interpretações um pouco distintas daquelas que parecem ser vulgo nas realizações nacionais. Nesta obra parece-me haver um marco na temática e forma distinta de a abordar relativamente ao usual no cinema português, pelo menos naquele que tive oportunidade de assistir.
Aconselha-se, pelo menos para quem não foge do lado trágica da dor inerente ao risco de viver.
2 Comentários:
as tuas análises já faziam falta!
"análises"....??? talvez...antes deambulações egóicas
obrigada
beijinho
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