segunda-feira, janeiro 31, 2005

Olhem Para Mim!



Olhem Para Mim ou Comme Une Image, filme onde as relações humanas dominam os espaços numa dissecação destas relações a vários níveis e em diversos graus, numa escalada de profundidade onde nos podemos afundar e donde podemos emergir.
Relações diversas com denominador comum num egoísmo narcisico, onde quase todos vivem obcecados pela própria imagem que querem ver reflectida nos actos dos outros dirigidas para si, traduzido nos movimentos desesperados em serem notados, vistos e olhados por um outro significativo, numa fase inicial, e depois por todos (como um vicio que se vai alastrando de forma insidiosa e sempre insatisfeita). Um desejo que se alimenta de gestos e movimentos de sedução ou provocação, ataque e defesa, para conseguir o olhar, ainda que pouco atento, do outro em si. Espiral centrípeta de busca incessante que redunda no esquecimento de se olhar o outro, de o ver, cheirar, ouvir e sentir de forma sub-epidérmica, intersticial e de afectos recíprocos.

A catarse acontece, a lucidez parece então ter uma existência que se avoluma, na presença de alguém genuinamente bom que parece ter um efeito de contaminação sobre os outros, concentrados numa tensão consequente às suas atitudes suicido/homocido-relacionais, após um longo período de incubação, coincidente com o tempo de duração quase total da película.
Iniciamos o filme num trajecto emocional onde se nos invade uma tristeza acusativa, que dá lugar a uma indignação incrédula, seguindo-se a constatação da corrupção inevitável, que leva à desistência de esperar um desenrolar de acção que dê crédito ao humano. Pico emocional de raiva, revolta, frustração, desconfiança que explode no géiser de emoções de ‘verdade’ reposta, de esperança nas relações e de dádiva desinteressada, centrada na personagem mais silenciosa, atenta e disponível de todo o enredo. Terminando com um golpe de oxigénio, numa acção imediata tipo ‘respiração boca-a-boca’, onde é possível (re)começar, construir um novo trajecto e acreditar que é possível... sonhar.

Um céu estrelado para Agnès Jaoiu, Senhora de uma sensibilidade acutilante, uma densidade desarmante e uma credulidade mobilizadora.

sexta-feira, janeiro 28, 2005




fotos de ff

As casas de banho parecem lugares tão limpos da imundíce humana! Será ilusão minha?
Enquanto não encontro resposta vou-me perdendo por estas que ai abundam cheias de cores.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Papinha para bebé

A propósito da magnífica reflexão que “Closer” suscitou na FF: são ainda muito poucas as vozes e talvez mais importante, comportamentos e até atitudes derivadas de consciências críticas e pensantes. Desde sempre o Homem pretendeu respostas para as suas dúvidas. Como tentativa de descargo de consciência para o esforço da sua procura, apoiou-se na natureza, na religião, na sorte para que as suas actividades ou a sua inércia, os seus receios não pairassem sem resposta, ou pior, fossem relegados para um porão soturno e aí ficassem até que o pó os soterrasse de vez (e ficam, cada vez mais). Mas, se em tempos houve uma tentativa de procura, hoje há a espera generalizada que uma resposta seja cuspida para dentro do cérebro. Cada vez mais me convenço que a maioria das pessoas “engole” um filme, um comentário na tv, uma notícia como papinha para bebé: macia e de preferência sem grânulos que impeçam o deslizar suave. O sabor é efémero a digestão não é trabalhosa. Às vezes é bom, é até saudável. Mas o “às vezes” não pode constituir-se regra. A crítica construtiva desapareceu. O que interessa é o “bota abaixo” – temos até deputados, candidatos a deputados e a PM´s que se esmeram, juntamente com as suas equipas de marketing, para mostrar o discurso mais irónico, com os podres mais fétidos dos seus adversários, havendo ainda espaço para manobras de diversão com o literal “bota abaixo”... Perante isto há aqueles (e não são poucos) que dizem: “se eles não dão o exemplo para que havemos nós de dar?” “O que é que interessa o que nós dizemos?”. Interessa. Começa logo no nosso grupo de amigos, no nosso grupo de trabalho. Eu costumo dizer aos amorfos mas tremendamente rezingueiros dos meus formandos adolescentes que repetem incessantemente frases como aquelas, que o espírito crítico começa ali no modo como se comportam com os colegas, no próprio espaço de formação, num espaço [que deveria ser] propício ao diálogo, à divulgação fundamentada das suas opiniões, de abertura de horizontes.

“Quais horizontes abertos? Quanto mais sabemos, mais temos com que se preocupar!” Felizes os ignorantes!!!!!!

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Verdade?!!!!



Vi(nos) em Closer, palco cinematográfico onde parece haver um desencadear compulsivo da verdade tendo subjacente a posse obsessiva de outrém, tornando-se o motivador da verdade compulsiva num desvirtuador da mesma. Neste a verdade verborreicamente lançada no cruzamento continuo das 4 personagens, apresenta-se como uma verdade escassa, limitada (ora), camuflando outras verdades possíveis e tendo na base um desejo de posse extremamente encarcerador. O desejo da posse que aproxima e a ilusão de posse que distancia. O querer do outro confundido num materialismo que, através do invólucro estético que a cada um nos cabe, se materializa em desejo quase obsessivo. O desistir do outro que se julga possuir, como se algum ser humano se esgotasse na expressividade que a relação amorosa encerra, como uma tarefa acabada, donde para se manter vivo terá de iniciar novas movimentações de posse ... acto continuo.
Obra de expressão artística que nos reflecte, ainda que num simples esgar, tornando-se possível consciencializarmo-nos dos excessos, do grotesco e do ridículo que protagonizamos. Assim podemos encetar nova busca, questionar e experimentar novos ‘papeis’, novas ‘verdades’.

Verdade(s) que pode(m) ser tarefa de uma ou de muitas vidas, em actos concretos ou imaginados, registada nas memórias vividas ou nas páginas recriadas. Verdade(s) apanágio dos movimentos da humanidade, escritos religiosos, mitos civilizacionais, romances medievais e crónicas históricas. Verdade(s) apanágio da estória de cada um, que parece(m) dar sentido ao ‘sentido da vida’, mesmo quando esta parece não ter qualquer sentido. Verdade(s) subjectiva(s) que se pretende(m) objectivar, para estruturar, sistematizar, medir e massificar para a todos servir e homogeneizar num ‘zen’ paliativo na frustração das concretizações possíveis. Verdade(s) que não temos que beber como álcool anestesiante; dizia Baudelaire que devemos embriagar-nos mas há muitas formas de o fazer sem que seja obrigatoriamente o vinho.
Desintoxiquemo-nos da(s) verdade(s) alheia(s) para no despertar ficarmos aptos a podermos embriagar-nos na(s) nossa(s) verdade(s), naquelas que brotam dum cérebro em intensa activação, num vasto leque de alternativas possíveis num flexibilidade mental de quem ousa.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Oitos anos depois eles vão voltar!!!!! Primeiro ao vivo e depois num novo trabalho. Que não nos deixem ficar muito tempo à espera!!

sexta-feira, janeiro 21, 2005

jardim de março



Jardim de Março
"
Ninguém te diz que
fiques
mas eu digo

possíveis os teus olhos
são de verde

que seja a cor da água
do que sentes
infância e madressilva
tu comigo
... "

Meu poema de amor à maneira dedicatória
10/10/71
in Novas Cartas Portuguesas (1974)
de Maria I. Barreno, Maria T. Horta, Maria V. Costa

terça-feira, janeiro 18, 2005



Nos últimos tempos, ou primeiros tempos deste ano, olho as teclas, elas olham-me de volta e ficamo-nos pelas primeiras impressões, sem aproximações interactivas. No meandros ‘cefaloídes’ imagens, palavras soltas e emoções abundam de forma caótica, sem que eu consiga organizar qualquer ideia ou sequência de ideias capazes de ganharem vida própria e caminharem por si, fora de mim.
Nesta sociabilidade muda onde abunda o unívoco, confronto-me com as palavras do filósofo José Gil, entrevistado na Pública de domingo. Num tecer de reflexões e análises sobre o existir português, diz o filósofo que o ambiente anestesiante que nos rodeia não nos permite ter intensidade de vida, de pensamento, de acção, para que possamos inscrever-nos na nossa própria vida, na Europa, no mundo global, etc. Uma vez assisti a uma entrevista com o jovem físico português, João Maqueijo, que vive em Inglaterra. A repórter perguntava-lhe: “Você trabalha com matemática, não em laboratórios. Não poderia ter descoberto essas teorias em Portugal? E ele respondeu imediatamente: “De maneira nenhuma. Sabe porquê? Por causa da intensidade das trocas de pensamento em que eu vivo quotidianamente. É isso que me faz pensar.”
Sem querer exagerar no alibi, sem querer culpar o exterior de tudo aquilo que não concretizo, digo que senti como se de protopalavras se tratasse, como se ele tivesse dado nome e organizasse os meus sentires e os meus ‘não pensares’ em palavras coerentes e consequentes. Assim é o sufoco em me encontro, desde que não partilho e compartilho estes pensares que me pairam fugitivamente, com outros pensares não coagidos e enriquecidos com outros rituais culturais, que a escalada se tornou lenta e por vezes com perigo de derrocada.
Tenho urgentemente de ampliar as trocas e partilhas para ventilar a asfixia mental que me estonteia.
Não posso perder tempo, é uma questão de sobrevivência.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Deve ser muito aborrecido para um condutor de pesados fazer uma ultrapassagem quando o veículo que conduz vai mesmo muito pesado. Para os condutores que vão atrás, é deveras fastidioso. Está uma filinha de condutores prestes a abespinhar-se se o monstro não ultrapassar rapidamente um pesado de passageiros e o ligeiro que o antecede, quando o sorna do ligeiro percebe que o monstro vagaroso o ia deixar para trás. Abruptamente, carrega no acelerador para, poucos metros à frente, cortar à direita.
Neste contexto o portuguesinho não quer ser ultrapassado.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Não sei de nada!

"Ele foi até S. Tomé e Príncipe para tentar relações cooperantes no que respeita à cultura e à exploração petrolífera? Não sabia. Pensei que tinha ido mergulhar!"
Plano de comunicação interna. Quando inexistente, provoca sérios danos nas instituições/organizações. Pois é!!!
Para mais informações consulte o seu consultor de RH. Em caso de persistência dos sintomas consulte o seu advogado.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Hmmmm... em qual das portas estará a Primavera?


Snow Castle, na Lapónia. Dormir à temperatura de menos 8 graus centígrados? Acho que não. Até aquela lágrimazinha que, por vezes escorre quando estamos deitados, congela. E o pinguito que escorrerá do nariz devido ao frio...

lá lá lá lá ...

Counter Spark, hoje, não me sai da cabeça!

o que não é mau, porque evoca em mim o calorzinho de Agosto e Setembro do ano passado. Com um pouquito de sorte, pode ser que o imaginário se transforme em aquecimento corporal a sério. (As paredes das casas (e dos locais de trabalho) deviam ser como os camelos: no verão armazenavam o calor que dias frios utilizariam para nos manter quentinhos. Da maneira como a tecnologia anda, já deve existir algum material que permita tal coisa. Mas aqui, não há nada disso. É pena. E por este andar será uma pena congelada!)

Counter Spark

You could be sad but never torn
You saw the light when it was on
You never turned or looked away
Your eyes were focused, mine were grey
Your sentences were concentrated
You made your points so understated
Where I would mumble, you would say
Your eyes were focused, mine were grey
I made up conversations with my symbolic language
Saying everybody wants to be like you
But I'd rather fall in love with you
You got the picture from the start
You saw right through me in the dark
You saw that I couldn't behave with eyes so focused, yet so frail
I chose you from a million
You were the choice of billions
wishing they would try to be like you
But I'd rather fall in love with you

(…)

Sondre Lerche, “Two Way Monologue”, 2004

segunda-feira, janeiro 10, 2005

aditivo para 2005





Afinal os Reis sempre me presentaram com Ouro, Incenso e Mirra. Três doses de cada: para brilhar, para perfumar e para eternizar, três vezes mais intensamente para me descontaminar da urbanidade 'neonizada', 'monoxidada' e descartável.
Podem usar e abusar da sua utilização, são indestrutíveis na sua beleza perene, aqui iconizada e na natureza renovada.

terça-feira, janeiro 04, 2005

2046 ou 2047?



2046 de Wong Kar Wai ou Kar Wai Wong (talvez antes devesse ser chamado de '2047', ou as relações vistas por um homem que vivia a expectativa do futuro na busca de um passado, onde as mulheres são o fetiche causa e efeito do seu narcisismo compulsivo):
Não sei se o vi tarde de mais, talvez devesse ter sido visto no ano passado?
Não sei se o vi cedo de mais, talvez o devesse ver quando este novo ano estivesse mais amuderecido?
Talvez por tudo isto e nada disto ele me envolveu como um vestido que se me cola ao corpo de forma tão íntima, como uma segunda pele que nos aquece e nos aprisiona, da qual me quero esfoliar desde que me conheço como gente e mulher. Senti a impossibilidade que Miguelanxo Prado tão elaboradamente tece nas relações amorosas no seu Tangências, sem saídas que não passem por conformismos maquiavélicos - que não nego mas combato.
Vi-o ontem, sai do cinema a sacudir-me. Pressinto que continuarei a sacudir-me por muito tempo, como um cão com pulgas de estimação.

Diário do nascimento do Menino II

25 de Dezembro: expectante e ansiosa entretenho-me com iguarias que me cercam, pouca atenção lhes dedico mas elas vão saltando para minhas mãos, destas para meus distraídos lábios, destes para meus reluzentes dentes, segue-se a descida estonteante que passa pelo espaçoso estômago para se repartir, da forma que mais lhe agradar, pelas várias partes de um corpo punido por tantas horas de espera - de um amanhã melhor, punido por tantas caricias ausentes, punido por tantos estímulos agrestes. Parece que ele gritou a plenos pulmões mas eu estava num processo de expulsão dos excessos a que a espera me compeliu.