sexta-feira, março 31, 2006

alerta vermelho



Sem querer, e quase por engano, de repente lá estava eu na sala 9 daquele espaço plastificado, insuflado e sonoramente cheio de mastigar de pipocas ou hambúrgueres.

Sem querer, e quase por engano, via uma Meryl materna a dar colo a uma Uma bela e carente.

Sem querer, e quase por engano, esta Uma fascina-se pelo vigor da juventude masculina e esta Meryl deixa-se levar pela curiosidade masoquista de presenciar um filho tornar-se o que a sociedade chama de homem.

Sem querer, e quase por engano, assisto passivamente a um desenrolar moralista da condição feminina a ser irremediavelmente remetida ao casulo da sua maturidade (ameaçadora? para quem? castradora? de quem?).

Sem querer, e quase por engano, recebo uma lição sobre a não possibilidade de uma mulher se poder relacionar seriamente com homens mais novos (só por brincadeira? só no exercício de lhe desenvolver a mestria para outras da sua idade poderem ser conduzidas por um futuro adulto mais destro?)

Sem querer, e quase por engano, paguei uma mal estruturada tentativa de lavagem cerebral para desejar estórias de homens maduros a protegerem raparigas mais novas, indefesas e incapazes de gerirem suas vidas e para repudiar estórias de mulheres a quererem fazer esse mesmo papel (onde fica o sentimento no meio de tudo isto? O que são as relações nestes media se não mais do que um alinhamento de sexos opostos, com intenção de procriar e permitir ao macho exercer o seu poder viril? não temos aqui uma ilha mental de desajustados que não encaixam nessa dicotomia, alvo de discriminações, mesmo que silenciosas?)

Alerta vermelho: não ver comédias estigmatizantes, como esta. Ou então ver artilhado de detector de moralismos convenientes (e não o são sempre?), e de mensagens subliminares de condicionamento a um comportamento socialmente manipulado e espartilhos emocionais a tolherem-nos nos ‘velhos’ papeis sexuais.

terça-feira, março 28, 2006


fotos de ff

eu disse ao pma - as minhas pérolas: colecção de objectos, memórias, emoções, que me aquecem nos invernos chuvosos, que teimam em permanecer mesmo nos verões mais sufocantes

fotos de ff


eu queria dizer à margarete, a propósito “de tanto bater meu coração parou”: o expoente máximo da mobilidade é a imobilidade, o meu há muito que está, aparentemente, 'quietinho', quase imóvel...como o vou alimentando? com brilho das estrelas, com raios de sol, com perfume de margaridas silvestres, com hálito de paixões reinventadas, com sorrisos das crianças que colo nas minhas íris, com sonhos coloridos de passeios celestes

segunda-feira, março 27, 2006


fotos de ff

E ela disse-lhe:
rapta-me da minha própria vida que é uma prisão dourada,
numa ilusão de rio que leva as carpas onde eu não consigo ir,
imagino que vou mas faço-o apenas numa carga onírica que lhes encomendo,
elas com toda a sua generosidade colocam-na na sua coluna dorsal,
rio acima esta vai-se perdendo
até que a realidade me veste por completo
e eu tirito de frio porque não são os braços prometidos,
assustada corro, corro, corro, corro...não sei quando chegarei,
mas chegarei

sexta-feira, março 24, 2006


fotos de ff

ainda sinto o impacto do seu olhar nos meus lábios: estão vermelhos, latejantes, intumescidos, querem sair da crisálida para que as asas do desejo os façam voar até si

quinta-feira, março 23, 2006

capuchinho vermelho


fotos de ff

por vezes, quando o meio se torna mais emaranhado, há um sininho dentro de mim que badala: "Perigo, perigo, esse caminho não é fiável!", demoro a perceber o que é a ameaça, mas não devo descurá-la, pois os estragos podem ser irreparáveis
agora ouço-o, vou ter caminhar hiper vigilante, pois os perigos espreitam e não são materializáveis
perdoem qualquer atenção descabida ou desatenção incompreensível, mas a sobrevivência impõe-se

segunda-feira, março 20, 2006

ontologia


fotos de ff

não havia percebido que continuava há várias décadas a comprar e oferecer aquele sorvete sabor cambiante baunilha ou chocolate
não percebia porque rejeitavam as suas tão simpáticas ofertas de sorvete sabor cambiante baunilha ou chocolate
não percebia porque seus galanteios, sempre tão poéticos, educados, doces e interessados, eram desdenhados, quase ridicularizados, pelos seus alvos e outros próximos
não percebia que agora havia gelados de mil sabores, cores e feitios
não percebia que agora os galanteios se fazem em formato virtual escrevendo kerida (o)
não percebia que as décadas haviam passado, mas sentia que se aproximava o tempo em que as cores ao seu redor já não acolhem, que os sorrisos já não aquecem, que os abraços já se extinguem e que os seus passos já não correm
sentia medo do tempo em que no rosto paira a nostalgia, no olhar o cansaço, no sorriso a mudez e nos dedos enrugados a solidão

domingo, março 19, 2006


fotos de ff

Saudades parecem picadas no coração, que martelam a válvula mitral até este ficar exaurido, em estado anilado. Depois baixamos os braços, deixamos tombar a cabeça e embalamo-nos no sonho do reencontro dourado.

Patchfriends-two


fotos de ff

Há amigos que alimentam um ‘vazio afectivo’ ou uma ‘auto-culpabilização crónica’ na dádiva incessante, a qual não admite ser também preenchida com aspectos emocionais que possam despertar em si auto-critica, isto é, não se permitem sentir ou pensar coisas desagradáveis sobre os outros. Sempre que são assolados por essas emoções vivem intenso sentimento de culpa que boicota de imediato a manifestação e ventilação dessas emoções ‘repreensíveis’. Nestas ocorrências, usualmente frequentes em cada um de nós, mobilizam todos os seus recursos internos para rentabilizar aspectos reais ou construídos por si sobre qualidades agradáveis e bonitas existentes naqueles que os rodeiam e que momentaneamente despoletaram as emoções não agradáveis.
Estes amigos são incapazes de dizer: Não! Esfolam-se e violam-se para corresponderem ao que acham que os outros esperam deles, tentando parecer sempre animados e satisfeitos, fazendo ‘das tripas coração’ até se esgotarem as suas forças. Quando estão esgotados, o que acontece em casos extremos, constroem um motivo dramático para se evadirem, recolhendo-se a recobrar forças até nova missiva de dádiva sem fim.
A estes chamo filantropos (ou... anjos???).

quinta-feira, março 16, 2006


fotos de ff

Nos dias cinzentos e húmidos só um olhar amigo me envolve e aquece com a sua bondade, secando aquelas lágrimas escondidas.

segunda-feira, março 13, 2006

palavras...inhas...ões


fotos de ff

Há dias em que as palavras me ficam aprisionadas no enredado dos alvéolos pulmonares...tusso, tusso e nada, nem com cinésiterapia elas ganham a liberdade que as faz esvoaçar sonhos errantes.
Nesses dias eu resguardo-me sob o meu cobertor vermelho a esmoer palavras, palavrinhas e palavrões, até que…quando menos espero, o vómito acontece e um misto de sensações o acompanha: alivio pela libertação, o incómodo pela necessidade de as limpar e reorganizar até que o cheiro de guardado se volatilize, dando lugar a cheiros extremamente diversos e interessantes.

quinta-feira, março 09, 2006

matt's b&w self-portrait



Capote ou o paradoxo das dicotomias impossíveis.
A soberba da fragilidade como complemento das suas limitações, levada até quase ao ridículo extremo, levando à irritação os que nela são alvo.
Soberba como sobrevivência que alimenta e definha o sujeito em luta.

Capote somos nós: vaidade e medo de mãos dadas, dúvida e certeza a corroerem entranhas, curiosidade e fuga em duelo estereofónico, calafrio que nos percorre dos resquícios da nossa bestialidade aos fundamentos da nossa intelectualidade, brilho do olhar que se encontra na fuga com (d)o outro, imagem que o espelho devolve a cada enfrentamento.

Capote é cada um de nós de uma forma menos romântica, menos poética, mais solitária.

Capote ou Truman?




Questiono a ética das causas literárias: vampiro insaciável a alimentar-se dos desvarios da espécie humana é o seu autor que sobrevive desta humanidade resgatada - mais uma vez numa América que se diviniza no poder sobre a vida e a morte.

Assistimos à inevitabilidade das emoções, que se vão enredando na teia de sentimentos onde a luta se esgota e o amor acontece (seja ele qual for, com contorno poético doce ou violento). Ficamos perante um humano desnudado, sem roupagem social, nem pulsões inconscientes.

Com o nosso voyeurismo espectador, completamos a cadeia vampírica:
- vampiro o assassino que se alimentou do silenciar, que a situação de crime lhe provocou, ao apagar o incómodo olhar daquela vítima que o observava;
- vampiro o escritor que se alimenta da teia de sensibilidades que o crime cometido provoca, tanto no assassino como no escritor, que sente produzir em si um intenso viver, através do outro que o protagonizou;
- vampiro o espectador que se alimenta desta emoções intrincadas, na ilusão de ser melhor que eles (assassino e escritor), e assim fustigar a sua auto-culpabilização.

Sente-se alivio no eliminar do protagonista que concretizou o crime, aplaude-se o escritor que regista poeticamente o horror (capacidade estética de embelezamento dos seus horrores) e fica-se em paz consigo próprio. Recolhe-se ao travesseiro a pensar que se é melhor do que talvez se pensasse - redenção na confirmação da dicotomia bem e mal...até que os sonhos surjam com as suas nuances, onde o bem e o mal coexistem paradoxalmente num mesmo gesto.

O horror existe em cada um de nós, a sua concretização é um acaso, sorte ou azar a que todos os instantes estamos sujeitos, numa cadeia de acontecimentos inevitavelmente irreversível.

segunda-feira, março 06, 2006

Felicity



Felicito a Felicity!
Mais uma abordagem de alternativa à sexualidade judaíco-crista.
Mais uma série de acções e emoções que a maioria fantasia desconhecer.
Mais uma proposta de: arrisca a viagem pelo outro, verás que no sentir somos todos basicamente iguais.
Todos nos queremos sentir bem na nossa pele (ou numa 'emprestada/adoptada'), sentir-nos em harmonia na totalidade indivíduo (corpo-mente-sentimento). Todos queremos que os nossos pais nos amem incondicionalmente (independentemente do que somos, fazemos e decidimos). Todos temos medos, desejos e queremos ser felizes (seja lá o que isso for).

Todo o filme é uma novidade em terra familiar.
Temos uma América menos hollywoodesca, nada glamourosa, uma América talvez mais austeriana - mais verde, mais solitária, de confrontação não urbana. América que podia ser Europa.
América de indivíduos encerrados na sua individualização castrada.

É nesta América que Bree, mulher encerrada num corpo de género masculino, procura com determinação férrea uma libertação (quase simbólica) de um determinismo sócio-cultural: a liberdade de poder optar no que respeita ao seu corpo e ao seu sentir, de exercer o livre arbítrio no facto de ter um cérebro no exercício da consciencialização, logo com a possibilidade de 'fazer acontecer', sem ceder a qualquer colete de força castrador da sua expressividade.

Com um desempenho tão envolvente como embaraçoso, Felicity levou-nos numa viagem de reencontro com fantasmas sem plumas.