terça-feira, fevereiro 28, 2006

qualquer coisa


fotos de ff

"A gente inventa qualquer coisa
p'ra não sofrer

E ri à toa
p'ra não chorar

E ri à toa
p'ra não chorar
...
pr'a não chorar
p'ra (na, na, na, na...na, na, na...)"

extracto de música da Simone

Adamastor adormecido


fotos de ff


Habita em mim um Adamastor adormecido.
Quando o acosso com memórias do passado ele bate descompassadamente, os seus músculos latejantes parecem querer alcançar um futuro em que…eu era feliz!
Vejo-o avivar-se possante, levantar-se no seu esplendor e todos os recônditos adormecidos, esquecidos e ressequidos ganham cor, frescura e avidez.
É ver a festa em preparação para receber o convidado com que a memória me presenteou. A festa é bela, as cores intensas, os rodopios inebriantes até…a memória se recolher e tudo voltar a ser um salão de festas fechado até…a próxima visita.
O Adamastor deixa tombar a cabeça, flecte o corpo, fecha os olhos, enrola-se sobre si mesmo e…volta a adormecer, para mais um longo sono.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

estado vígil


fotos de ff

A paisagem era linda! Havia flores amarelas, intercaladas com brancas, rosadas e aniladas, que abundavam salpicando o verdejante que dominava naquela longa extensão que o olhar alcançava.
Bem mais longe, nesse horizonte as árvores também se impunham com as suas flores viçosas e frutos brilhantes. Claro que alguns arbustos, munidos de espinhos, impunham cuidado e respeito redobrado para com a harmonia que ali figurava.
Alguns frutos apodrecidos traziam a lembrança do perene e dos obstáculos que nos acossam.
Algumas abelhas zuniam, umas vezes calmas e distantes, aludindo a um labor organizado, outras agitadas e demasiado próximas, numa azáfama estonteante e assustadora.
Os sons tanto eram de brisa perfumada, como de sons estridentes ou estranhos que apelavam ao desconhecido.
Isto fazia-a andar ‘à nora’, com pequenos período de usufruto da beleza que a rodeava, a que se sucedia uma angústia do desconhecido – como se esperasse ser surpreendida a qualquer momento, por uma 'pantera negra', ou qualquer outro animal que se avizinhasse perigoso, vindo do local menos esperado, do canto mais florido, das árvores mais apetitosas ou do arbusto mais viçoso.
Esta espera colocava-a num estado de vigília constante, incessante e desmotivante, pois não sabia de onde viria o perigo que tanto temia vir a pôr em perigo a sua pessoa.
Este estado levava-a a uma cansaço e exaustão que a prostravam para as coisas mais simples. Cada vez era mais difícil levantar-se, abrir os olhos, movimentar os maxilares, agitar as mãos, mover os pés. Os períodos em que corria sentindo o verdejante a beijar-lhe os calcanhares e o perfume a mordiscar-lhe as narinas, eram cada vez mais raros.
À vigília sucedia-se a exaustão e esta era cada vez mais dominante: de tanto vigiar, de tanto esperar de lugar incerto, levou o cérebro a não conseguir recompor-se no seu ciclo diário, a não conseguir articular o seu estado de vigília com o estado de relaxe e adormecimento tranquilo, deixando-a numa situação de necessidade de adormecimento profundo que lhe permitisse recomeçar de novo.
Estava ela neste estado quase a deixar-se tombar quando, de forma inesperada, viu um movimento sorrateiro daquilo que parecia o vislumbrar ameaçador de, talvez, uma 'pantera negra'.
Agora com um perigo concreto, definido e identificada a sua origem, todo o seu corpo se reactivou. Parecia uma máquina antiga, há muito desligada, a quem repuseram uma pequenina peça e, de repente, se reacende com luzes e piscar por todo o lado, ganhando vida, energia, actividade, impondo presença.
Os seus olhos tinham outro brilho, os seu lábios descerraram-se, a fácies deixou de estar descaída, os músculos retesaram-se e toda ela se preparou para enfrentar aquela ameaçadora, talvez, 'pantera negra'.
Estava possante e intimidante, mais parecia uma deusa a defender o seu Olimpo.

domingo, fevereiro 19, 2006

Crash Point




Filme com dois bons pontos de partida: o papel da sorte nos acontecimentos humanos e da culpa na estrutura emocional (paralelismo Dostoiévskiano).
Dois elementos interessantes para nos embrenharmos num argumento tão embelezado pela inevitavelmente sexy actriz (algo do qual ela não só não pode fugir, mas do qual é vitima e escrava) e densificado pelo atormentado actor.
Sim, interessantes pontos de partida, promissores de algo... se não pertinentemente profundo, pelo menos woodianamente irreverente, mas...não foi muito além do seu ponto de partida. A sua essência ficou pela orla, pelo invólucro, pelo quotidiano, visível, fealdade da contrariedade, pelo epidérmico e o imediato.
Pareceu ter sido esquecida a súmula, o interior das personagens que inicialmente havia sido prometido, numa espécie de viagem ao centro das suas angústias, fantasias, desejos e medos desconhecidos até para si próprios.
Ficamos pelas escassas e quase banais entradas de uma refeição perspectivada de sofisticada, longa e com surpreendentes sabores a deleitarem paladares adormecidos, na velha dualidade eros-tanatos, amor-morte, desejo-medo.
Saímos insatisfeitos, sequiosos, esfomeados ao que, talvez, só a leitura de “Crime e Castigo” possa pôr cobro.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Prostituições


fotos de ff


“As que me abordavam achavam-se animadas de um credo político simples: uma mulher tinha tanto o direito de vender serviços sexuais como o de alugar as sua capacidade intelectual a uma firma de advogados quando trabalhava como tal, ou o seu trabalho criativo a um museu como artista, ou a sua imagem a um fotografo como modelo ou ainda o corpo como bailarina. Como a maioria das pessoas podia ter relações sexuais sem ir parar à cadeia, não existia razão alguma, a não ser por preconceito antiquado, para que o sexo em troca de dinheiro fosse considerado ilegal.”

Autobiografia de Dolores French: “O meu trabalho como prostituta” (p.170)

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Brokeback Mountain



Filme emocionalmente intimista do qual só consigo verbalizar:

- a contenção física presente numa rigidez física quase palpável;
- o desconcertante encabulamento suspeitado nos olhares resguardados pelas abas dos chapéus
- a concentração da energia física tão intensa a transparecer nas passagens ao acto expulsivas e quase agressivas
- a dor física que se nos instala como um ‘murro no estômago’
- o confronto com a inevitabilidade da morte e a percepção de tempo esgotado

Para quem não teme o confronto, visualizá-lo é ordem!