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"... Lina chegou e dispôs jóias e comida na sepultura, juntamente com folhas aromáticas, e disse-lhe que os rapazes e Patrician eram agora estrelas ou qualquer outra coisa igualmente adorável: pássaros amarelos e verdes, raposas brincalhonas ou as nuvens matizadas de tons rosa que se juntavam na fímbria do céu. Coisas pagãs, sem dúvida, mas mais apaziguadoras que as preces Aceito-e-ver-te-ei-no-Dia-do-Juízo-Final que tinham ensinado a Rebekka e ela ouvira repetidas pela congregação baptista. Houvera, em tempos, um dia de Verão em que ela se sentara defronte da casa a costurar e a falar de modo profano, enquanto Lina mexia roupa que fervia numa caldeira ao seu lado.
- Não creio que Deus saiba quem somos. Penso que ele gostaria de nós, se nos conhecesse, mas não creio que saiba de nós.
- Mas Ele criou-nos, Miss. Não é verdade?
- Criou. Mas também fez as caudas dos pavões. Isso deve ter sido mais difícil.
- Oh, mas, Miss, nós cantamos e falamos. Os pavões não.
- Nós precisamos de cantar e falar. Os pavões não precisam. O que mais temos nós?
- Pensamentos. Mãos para fazer coisas.
- Pois sim, muito bem. Mas isso diz-nos respeito a nós. Não a Deus. Ele está a fazer outra coisa qualquer no mundo. Nós não estamos no seu pensamento.
- O que faz Ele, então, se não olha por nós?
- Sabe Deus."
in A Dádiva de Toni MorrisonEtiquetas: amores, livros, Melodia intersticial, visceral