quarta-feira, março 30, 2005

espera




Dói-me o corpo
De tanto esperar
por ti

Está fustigado
Pelas memórias
à flor da pele

Verbo saber

- Sabes!???
- Sei!
- Sabias todo este tempo?
-Sabia antes de ti!
- Como soubeste?
- como se sabem as coisas importantes!
- Também queria ter sabido!
- Ficaste a saber agora!
- Se soubesse antes...
- Saberias mais cedo!
- Agora…sabendo….
- Sentes-te mais sábia???
- Não sei....

fotos de ff

terça-feira, março 29, 2005

O apodrecer da vida

Confrange-nos a dor que alguém reflecte. Por pena de quem sofre. Por fraqueza nossa. Corrói-nos o vão esforço do Papa em balbuciar algumas palavras. Irrita-nos que o Vaticano o permita. Porque devíamos ser “poupados” de um espectáculo em que a decrepitude e a doença são figuras centrais? Porque a Igreja alheia à piedade quer mostrar um novo mártir, explorando a incapacidade de outrem? Será o próprio Papa que assim o quer? Se esta última hipótese for a correcta há que respeitar. Causa-nos algum incómodo mas não nos cabe condenar a exposição voluntária de alguém só porque nos mostra quão débeis, dependentes e decadentes podemos ser.

Terry Schiavo é mais nova. Muito mais nova, meia-morta há 15 anos e esperando (ou não) alheada, a morte que lhe há-de levar a metade podre que ainda lhe resta. A morte que se vai deixando manipular por aqueles que tomaram as rédeas da vida de Schiavo. De um lado a vida. Do outro, o fim do sofrimento. De um lado uma magra esperança. Do outro, finalmente, o luto. A decisão judicial foi em favor do pedido do marido de Terry e, portanto, da eutanásia passiva – retira-se o tubo através do qual ela se alimentava e espera-se que ela morra nos próximos dias ou nas próximas horas. Provavelmente, sofreria menos com uma injecção letal, mas não é permitido nem sabemos se seria essa a vontade de Terry.

sexta-feira, março 25, 2005


“
Que belo lago transbordante
Dir-se-ia pupila
de espessos cílios
...flores.”
Adalberto Alves in “Meu coração É Árabe - a poesia Luso-Árabe”

tomografiadasemocoes

quinta-feira, março 24, 2005

Feminismo

Ser feminista. Admito que, nos dias de hoje é um rótulo que me causa algum prurido. As marcas das minhas unhas grassam pelos meus braços mas, que Diabo, não posso conter-me perante tamanhas alarvidades que ainda subsistem. Não basta a uma pessoa, frequentemente, ter que defender (ou camuflar) perante outrem determinadas premissas que se afastam das comungadas por uma maioria e as quais lhe permitem (ou permitiriam) um maior bem-estar (desde que não prejudicando intencionalmente terceiros – e excluo destes terceiros os fetos por motivos a que noutra ocasião, chamarei à questão). Não basta ter que defender opções de vida, opiniões, trabalhos,etc., e ainda temos que defender a nossa integridade, o nosso valor enquanto indivíduos com redobrado esforço só porque somos mulheres? Mulheres. Sim. Muitas de nós fantásticas, fabulosas, empreendedoras, criativas. Mulheres (em muitos casos, com muitíssimo gosto) mas em primeiro lugar SERES HUMANOS!

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela ONU em 1948 refere logo no seu artigo Artigo 2° que “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”. Também a Constituição da República Portuguesa expressa no seu artigo 13º algo semelhante.

Teoricamente, a sociedade actual assume a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, mas será assim na prática? Apesar das muitas conquistas, há ainda um longo caminho a percorrer. Alguns exemplos: o INE publicou alguns indicadores referentes ao ano de 2004 que indicam que, em Portugal, a percentagem de homens nos quadros superiores da administração pública e nas empresas é mais elevada que a das mulheres, além de existir uma diferença salarial desfavorável às mulheres em média, cerca de 9%. Por outro lado, num estudo sobre a duração médias das actividades da população portuguesa, divulgado pela mesma instituição em 2000 verificamos que o tempo cedido aos cuidados pessoais e ao estudo ou trabalho não difere significativamente entre os homens e as mulheres, porém no que concerne aos trabalhos domésticos e à família as mulheres empregam em média 3h57m diárias e os homens 54 minutos. Há aqui alguém sobrecarregado!...
Depois, noutras questões, como na do aborto, só se remetem as culpas para a mulher. Enfim. Feminismo. Depois de tantos anos de em defesa da igualdade de género já não devia ser necessário invocá-lo! Bem, vou reforçar o meu stock de Bepanthene. Há que sarar as arranhadelas porque próximas virão.

Pessimismo Judaico-Cristão


foto de Gustav Klimt


RB refere uma frase de Beck sobre a facilidade em escrever de cariz pessimista e a dificuldade em escrever algo esperançoso e optimista.
Pois, respondi eu, não estou nada de acordo, não é mais fácil escrever sobre algo triste, é antes uma aprendizagem cultural, de cariz judaíco-cristão (caricato escrever isto no dia que antecede a morte de Cristo, mas também antecede a sua 'libertação' - polémicas à parte sobre o que sucede após a morte, não sei, não conheço quem saiba e não quero saber tão cedo), onde o olho intelectivo-emocional vai sendo treinado para ver selectivamente o mal, o errado, o difícil, escapando constantemente a beleza na sua intensidade – beleza inclusive das emoções de tristeza saudável, insatisfação mobilizante, inveja que define interesses e se torna em luta pó-activa, a comoção do brilho do olhar de uma criança que quer descobrir a 'verdade', a gratidão num gesto de quem recebeu um sorriso (dádiva tão simples)...
Tantas belezas profundamente tocantes e envolventes que eu poderia aqui desenhar, mas o desafio está em que cada um descubra isso mesmo, qque flexibilize o olhar para ver o que está ali, mesmo ao lado....

quarta-feira, março 23, 2005

Éros e Tánatos – o mito




“Era uma tarde quente e abafada, e Eros, cansado de brincar e derrubado pelo calor, abrigou-se numa caverna fresca e escura.
Era a caverna da própria Morte.
Eros, querendo apenas descansar, jogou-se displicentemente ao chão, tão descuidadamente que todas as suas flechas caíram.
Quando ele acordou percebeu que elas tinham se misturado com as flechas da Morte, que estavam espalhadas no solo da caverna.
Eram tão parecidas que Eros não conseguia distingui-las.
No entanto, ele sabia quantas flechas tinha consigo e ajuntou a quantia certa.
Naturalmente, Eros levou algumas flechas que pertenciam à Morte e deixou algumas das suas.
E é assim que vemos, frequentemente, os corações do velhos e dos moribundos, atingidos pelas flechas do Amor, e às vezes, vemos os corações dos jovens capturados pela Morte.” (Esopo, Grécia Antiga, in Meltzer, 1984 – cit. in Kovács, 1992, p149)

terça-feira, março 22, 2005

Éros e Tánatos




Dar a vida por alguém, abdicar de um bem para permitir que o outro usufrua desse mesmo bem que é viver, é de facto muito louvável, muito da essência afectiva humana no sentido do oposto ao espirito de sobrevivência biológica de cada indivíduo.
Dar a morte por alguém, abdicar do desejo e direito de morrer (mesmo que numa vida não digna) para permitir que outro tenha um sentido de vida para quem a sua presença é uma inspiração, é igualmente louvável e cheio de dádiva.
Morrer por uma causa, para fazer valer uma ideia que traga repercussões no bem estar da comunidade, modificações benéficas a uma sociedade, melhorias na qualidade de vida dos que habitam um espaço culturalmente determinado, é de um altruísmo sedutor e generoso.
Em qualquer das situações a liberdade é o núcleo. Liberdade que se tem quando vivo em se decidir sobre o fim dessa vida, direito de livre arbítrio que a todos é (ou devia ser) inerente. Liberdade que não possui aquele que está condenado à morte, que não tem opção, seja por doença, acidente, ou por determinação macabramente deliberada pelo juízo doutros humanos que de forma maníaca se autodenominam de deuses, como se um julgamento fosse uma convocatória para o Olimpo.
Quem são os ‘deuses’ que definem os critérios para determinar o que é digno ou não? Que critérios são esses: estar em sofrimento e dependente total não é indigno, mas ter de viver torna alguém digno – avaliam as instituições legais; é feto e tem síndroma de Down autoriza-se o aborto porque...ter este síndroma torna-o não digno para viver??? Que critérios? Previne-se que prossiga uma vida com o referido síndroma mas proíbe-se a interrupção noutras circunstâncias que não consigo avaliar que não sejam igualmente válidas. Não entendo como encaixam isto, estas actuações com fundamentações tão paradoxais em que o fundamento que dá o sinal sim é o mesmo que dá o não para outra situação.
Situação embaraçosa para uma sociedade de produção e consumo, situação que não interessa a uma sociedade minimalista – diga não à diversidade das espécies, diga não à diversidade dentro da espécie humana, diga sim a uniformizar a espécie, venha dai novo hitlerismo só que mascarado de legalidades universais, onde instituições promotoras são ostentadas como defendendo valores humanitários de interesse geral, com poder de actuação inabalável e omnipotente.

Eu digo não a qualquer movimento no sentido de nos privarem da liberdade de sermos e agirmos de acordo com os que nós próprios determinarmos, no sentido daquilo que a nós diz respeito:
a nossa vida,
a nossa sexualidade,
a nossa integridade.

domingo, março 20, 2005

dança de emoções




Das extremidades ao umbigo sinto irradiar emoções aos molhos.
Do umbigo às extremidades sinto invadir molhos de emoções.
Excitação, carinho, ternura, comoção, fascínio, partilha ... com outro, por outro, no outro.

sexta-feira, março 18, 2005

primavera púbere


foto


foto

São como cogumelos que pululam pelas ruas, cafés e esplanadas urbanas.
São como extensões do raios de sol primaveril, coloridas irrequietas, encantadoras, brilhantes e vistosas.
Têm a frescura da terra húmida, a novidade dos rebentos em flor que num misto de timidez e desafio nos banham com a sua exposição ao mundo.
São ruidosas, gargalham, têm gestos expansivos que se podem retrair num súbito incompreensível.
Nos olhos transportam o pó das estrelas (da sininho), na epiderme a textura das pétalas, na boca o Arco Íris da chuva purificadora.

Reportam-nos(me) a uma adolescência de grandes obstáculos, de urgências e um enorme fulgor para colher aquela papoila no canto mais difícil.
Surgem em grupos saltitantes que invadem, repentinamente, espaços públicos, como um pingo de tinta em papel mata borrão, que se espraia definindo contornos irregulares e com estética própria. Numa estética nunca repetível e sempre identificável.

São as meninas púberes, que se movimentam numa sexualidade a querer estalar-lhes o corpo, como uma implosão que se irá transformar em explosão, que a todos pode contaminar – que delas emana, que sentem mas de que não se apercebem.
São olhares espontâneos com a doçura do sonho e a confusão de um corpo em expansão, a crescer em sentidos opostos e indefinidos.
São urgência, são descoberta, são poesia bruta, são a nossa voz silenciada.

quarta-feira, março 16, 2005

Cada vez que uma torneira/ mangueira/ autoclismo verte indiscriminadamente o som que ouço é o da natureza em agonia, a imagem que vejo é de um mundo árido. A água é mesmo um bem precioso que não deve ser lembrado (quando o é!)apenas em altura de seca.
Todos os dias a minha indignação se renova...a sensação de impotência instala-se, teima em permanecer...a luta é contínua.









quinta-feira, março 10, 2005

cansaço de mim


foto

Não sei porquê, talvez pela corrente que refere o jpn, eu também me cansei mas foi de mim própria. Isto é algo que me acontece numa estação própria (nas estações que me são destinadas unicamente a mim), que se vai repetindo num ciclo de tempo previsível no meu relógio interno. Acontecimento que me leva a precisar de tirar férias de mim própria, de me afastar ensaiando outras formas de estar e sentir, de me observar de longe e ficar a ver-me descansar. É como um mudar de pele que se faz substituir por outra mais fresca e brilhante, que paulatinamente se vai transformando numa nova pele gasta e envelhecida a necessitar de renovação.
Cada renovação tem o poder da novidade e de me entusiasmar, tal como quando mudo a disposição dos objectos da sala e de corte de cabelo, onde uma surpresa me espera sempre que abro a porta ou me olho no espelho. Então inicio o processo de travar conhecimento, de visitar e memorizar cada imagem, canto e recanto, sombra projectada numa determinada esquina ou ângulo. Repito cada movimento vezes sem conta até que cada milímetro tenha uma representação mental das suas formas e das emoções que elas promocionam. Findo o processo eles existem dentro de mim, abdicando da presença e movimentos a ela associados; ai instala-se o cansaço tornando-se necessário limpar os trajectos mentais que o protagonizam e reiniciar novo processo.
Se me virem com a velha pele meio despida não olhem, finjam que estou invisível, eu faço de conta que não vos vi a observarem. Quando me quiserem afagar aproximem vossos dedos em palpos de aranha, deixem-nos deslizar pelas clavículas para se afundarem nas concavidades axilares, acompanhem com expirações sibiladas como vozes que vão declamando palavras desconhecidas e curativas, penetrando na epiderme hidratando-a balsamicamente. Prometo que selaremos a mudança dançando à chuva.

foto censurada

8 de Março: recordo-o como o último dia do ano em que areei as panelas e o primeiro dia do ano em que não fui interrompida por qualquer toque telefónico.

terça-feira, março 08, 2005

hoje

Hoje é dia de passar a ferro... eu queria que hoje fosse o único dia para lavar, passar e limpar; nos restantes dias observaria as estrelas, cheirava as flores, acariciava a areia, lamberia nucas e ouviria todos os sons que me têm escondido.

não representação

A existência etérea que uma pessoa ocupa noutra tem a sua dimensão estética de uma beleza exasperante. Beleza que a faz existir sempre fora do outro, sem nunca dele fazer parte, como uma imagem bidimensional que se admira num processo perfeitamente isolado e solitário, de fruição masturbatória em que o outro funciona como estímulo meramente pontual. Todos querem não ser esta pessoa ainda que confusamente se movam nesse sentido, ocupando um estar hiperrealista em que a forma sem cores domina em relação ao conteúdo do outro para se centrar no núcleo fantasioso do próprio. Resultando num abandono do outro que inicialmente parecia ser o centro da existência do próprio, outro que esteve sempre fora, sempre excluído, sempre entregue a si mesmo na ilusão da partilha.
Solidão que nos une no desespero de não termos nem sermos uma representação real, afectiva e efectiva no outro.

segunda-feira, março 07, 2005

a nostalgia de RB


fotos de ff
Ainda e ainda a nostalgia
... do tempo em que andava descalça na terra escura, subia às árvores e comia a fruta ainda verde, corria tempo infindo com o vento como cúmplice de desafio, mastigava manhãs de geada e calcorreava 2km para viajar na biblioteca ambulante da Gulbenkian

domingo, março 06, 2005

contemplação


foto de João Tunes

contemplação é o que nos inicia ou o que nos resta?
nos inicia no processo de encontro connosco e com os outros, ou nos resta do encontro com o urbano castrador?

sexta-feira, março 04, 2005

fading

Deixo-me cair na pedra fria da janela sem forças para me desenvencilhar do emaranhado de ideias “tortas” que me lancetam o estar. Entretanto, anoiteceu. Não vou acender a luz, basta-me a de Mazzy Star e de alguns apontamentos de luminosidade que entram pelos buraquinhos da persiana. Ocasionalmente, os faróis dos carros que passam lá fora originam um leve roçar de sombras na parede. Os olhos seguem-nas. São efémeras (como muitas outras coisas).

"Into Dust"

Still falling
Breathless and on again
Inside today
Beside me today
Around broken in two
'Till you eyes shed
Into dust
Like two strangers
Turning into dust
'Till my hand shook with the way I fear

I could possibly be fading
Or have something more to gain
I could feel myself growing colder
I could feel myself under your fate
Under your fate

It was you breathless and tall
I could feel my eyes turning into dust
And two strangers turning into dust
Turning into dust

Mazzy Star "So Tonight That I Might See" (este álbum é uma pérola) 1993